Entrevista Karen Athié: Comunicação é o caminho para mobilização e aperfeiçoamento do SUS

Foto da entrevistada e membro do Conselho Curador do PenseSUS Karen Athié

15/05/2015
Equipe PenseSUS


Recursos financeiros e investimento político são elementos fundamentais para o Sistema Único de Saúde (SUS), mas o caminho do seu aperfeiçoamento é a comunicação. Esta é a visão da psicóloga Karen Athié, membro do Conselho Curador do PenseSUS e pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde (LILAPS/Uerj). 

Em entrevista ao site, Karen Athié defende a construção de uma relação, para que a população possa ter uma referência do que é o Sistema, qual é a “porta de entrada”, como é o atendimento e quais são os seus direitos: “é preciso amadurecer e trabalhar constantemente a comunicação com esse público que vai fazer uso, direta ou indiretamente, do SUS”, completa.

Para a pesquisadora, participação popular, informação em saúde e comunicação pelas redes sociais são importantes instrumentos de debate e construção que passam pela compreensão do SUS como patrimônio brasileiro.

 

PenseSUS: Quais são os principais desafios para o Sistema Único de Saúde?

Karen Athié: A partir da minha experiência e do que tenho vivido, além das políticas de saúde e financiamento, a estrutura e a formação de recursos humanos para essa estrutura são os grandes desafios.

A questão estrutural, que se liga tanto à política quanto aos recursos financeiros, é o que pode dar a cara para que os usuários do SUS o reconheçam como oferta de saúde. Isso é importante porque a porta de entrada, o caminho para ser cuidado, pode ser criado através da cara que o postinho tem no imaginário coletivo. Trata-se de uma questão estrutural e, ao mesmo tempo, é política, financeira e do imaginário das pessoas. Qual é a cara do SUS e como ele se mostra é algo permeado por questões culturais, do imaginário coletivo e também do que a grande mídia informa. Por isso, eu acho que a estrutura ou a cara do SUS é tão importante para essa relação com o seu público.

O outro desafio é a formação de recursos humanos para o SUS: nós temos, hoje, pessoas formadas para o trabalho privado e não público. São formas diferentes de tratar a saúde. Embora as formações superiores de saúde, através do Pro-Saúde e do PET-Saúde, estejam cada vez mais próximas da realidade do SUS, as formações ainda são para o atendimento individual e ambulatorial, diferente da proposta que é trazida pela atenção territorial. Isso precisa ser ensinado, senão tudo acaba sendo feito na boa vontade, ou intuitivamente apenas. Acho que a educação permanente tem um trabalho importante e desafiador para a mudança de cultura do trabalho em saúde para o SUS.

Como agregar outras representações ao debate sobre as políticas públicas de saúde?  E como essas políticas podem contribuir para redução das desigualdades sociais e melhoria da qualidade de vida da população?

Pensando no macro, isso é difícil, porque não tem unanimidade e a gente está polarizado em várias discussões na saúde, a gente tem que multiplicar as discussões e tentar, por meio da educação, da informação, fazer que isso seja entendido como uma parte do processo e não um fim.

Acho que é mais um desafio essa parceria, além da compreensão que a saúde não é só saúde dos órgãos do corpo, ou a saúde funcional dos seres humanos, a saúde também é relacional. Os movimentos sociais ligados que combatem o estigma nos ajudam a pensar sobre isso. Por exemplo: o LGBT, os movimentos familiares de portadores de Sofrimento Mental. Esses movimentos ajudam a gente a pensar em outras perspectivas e a desnaturalizar quais são os padrões de saúde e doença, porque trazem para discussão a perspectiva da política e do direito.

Quais temas não podem ficar de fora do debate para 15ª Conferência Nacional de Saúde? 

Políticas e recursos financeiros são essenciais e dão base para as ações em direção à melhoria da qualidade dos recursos profissionais, estruturais e educacionais. Discutir o estigma é importante também, assim como o cuidado e a garantia do cuidado integral. Essa questão é de base para o cuidado em saúde e a educação para o trabalho. O trabalhador de saúde, hoje, precisa de ajuda para entender como cuidar para além do corpo físico. O cuidado hoje também inclui a compreensão das relações do homem com seu ambiente, das relações com seu mundo.

Como tornar as indicações dessa conferência mais efetivas, como contribuições para política nacional de saúde e para o SUS nos próximos anos?

A participação popular e a informação em saúde também são assuntos-chave na minha opinião. A politização e a educação para o entendimento de que o SUS é nosso, um patrimônio brasileiro, vai nos ajudar a sair de uma discussão polarizada entre ‘bom’ e ‘mau’ para discussão em direção à construção. As redes sociais têm mostrado muito isso e acho que têm ajudado a democratizar informações e dúvidas.

O que é preciso para as pessoas saberem mais sobre o SUS e seus direitos?

Eu acho que a comunicação pelas redes sociais é um caminho importante, por onde o diálogo pode acontecer: é importante uma comunicação que venha de todos os lados e aberta. Explicar como aceder aos serviços, dar recomendações de saúde, esclarecer dúvidas, muitas coisas podem ser feitas. Essa comunicação precisa ser trabalhada com cuidado e também oferecida como parte da conscientização dos direitos e da saúde.

Existem várias discussões em torno do que é saúde, qual a saúde ideal. Ë importante que essas discussões tanto se multipliquem, quanto sejam facilitadas por quem possa apoiar o processo qualificadamente.

A comunicação em saúde tem um papel importante para ajudar nessa compreensão do que é qualidade de vida. Como eu disse, os movimentos sociais que associam direitos humanos, saúde, cultura e educação são importantes para aquecerem essas ideias de qualidade e de vida ideais. Temos muito trabalho pela frente.