Impactos e alternativas para as medidas judiciais no SUS


01/12/2014
Por Daniele Souza (PenseSUS)


Enquanto parlamentares articulam a volta da contribuição provisória sobre a movimentação financeira (CPMF), com o intuito de ampliar recursos para a saúde no Brasil, um outro problema vem interferindo no planejamento financeiro e, consequentemente, nas políticas públicas de saúde: a judicialização na saúde.

De acordo com um balanço concluído pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2011, existiam mais de 240 mil processos na justiça brasileira, referentes ao fornecimento de bens e procedimentos relacionados à saúde. Com o intuito de debater os problemas relacionados ao crescimento da demanda judicial no país e as possíveis alternativas, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) promoveu um debate, em 27 de novembro, no Rio de Janeiro.

O evento, que selou parceria entre o Ministério da Saúde, o Ministério Público (MP) e a ENSP/Fiocruz, contou com a participação de gestores, pesquisadores, estudantes e membros do MP. A ideia é promover o aperfeiçoamento do campo da saúde: um produto será um curso na modalidade de ensino a distância.

Judicialização em debate

As medidas judiciais não só geram custos diretos, para compra de medicamentos, insumos ou realização de procedimentos cirúrgicos, mas também custos operacionais; são demandas diretas não planejadas no SUS e não pactuadas pelos entes da Federação*: “não se pode planejar o que está fora de pactuação”, disse o secretário de saúde da Paraíba, Waldson Dias de Souza, também membro do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Para exemplificar, ele declarou que, de janeiro de 2011 a dezembro de 2013, foram gastos R$ 120 milhões na Secretaria de Saúde da Paraíba só com medicamentos fornecidos por demanda judicial, o que seria o correspondente à manutenção anual do Hospital de Trauma de Campina Grande, com 302 leitos.

Segundo Waldson Dias de Souza, muitas vezes, o judiciário determina a aquisição de prestadores por “pesquisas google”, o que causa um impacto desnecessário no custeio da saúde: estes e outros “excessos e inconsistências põem em risco a continuidade de políticas públicas”. Para o secretário, a judicialização desautoriza a organização do SUS e seus protocolos, pois gera um paralelismo entre quem acessa ao SUS normalmente e quem “corta” o caminho por vias judiciais.  Ele indicou a utilização de enunciados do Conselho Nacional de Justiça para auxiliar em decisões da Justiça na área da saúde. Sugeriu, também, a criação de câmaras técnicas, entre secretarias de saúde e o poder judiciário, para decidir questões relativas a financiamento e incorporação de itens, e o ressarcimento financeiro entre os distintos entes da Federação.

Souza também chamou a atenção para o grande impacto da relação: política pública de medicamentos versus indústria farmacêutica. Explicou que existem medicamentos experimentais determinados por via judicial, que não são autorizados no país, nem possuem registro na Anvisa, tampouco avaliação na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec). Por conta do que Souza chamou de “marketing das indústrias da saúde”, existe uma grande pressão do mercado para entrada desses medicamentos, que não necessariamente refletem a necessidade do usuário.

Do Ministério Público, o procurador de justiça do Paraná Marco Antonio Teixeira defendeu a retomada da reforma sanitária, o envolvimento da comunidade e a qualificação do debate: “não se pode discutir saúde no âmbito jurídico”. Segundo Teixeira, em 1998, o Ministério Público já tornava público seu compromisso com o SUS e previa, na Carta de Palmas, a instituição da Comissão Permanente de Defesa da Saúde (Copeds) e a criação de um fundo institucional de financiamento de perícias e pesquisas para equalizar a saúde.

O procurador lembrou que as instâncias jurídicas agem de acordo com determinações de profissionais de saúde e ressaltou a falta de sincronia e assimetria na busca do conhecimento entre as comunidades jurídica e sanitária. Frisou, também, a necessidade de buscar a melhor evidência disponível para as lacunas de assistência: “questões assistenciais não passam de questões de gestão por nós não reconhecidas”. Para ele, na agenda dos atores envolvidos na questão da judicialização, além de incluir a incorporação tecnológica e inovações, é preciso refletir sobre o crescimento da população; a transição epidemiológica; o aumento da longevidade; o hermetismo da regulação; e a crescente especialização dos serviços.

Para a sanitarista e professora da Fundação Getúlio Vargas, Sonia Fleury, é importante identificar o usuário do SUS e envolvê-lo nos debates, além de intensificar a formação dos profissionais de saúde, incluindo questões pertinentes à temática.

*Entes da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município.

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