Pesquisador defende fiscalização e denúncia para garantir o direito à saúde


28/08/2014
Vivi Fernandes de Lima


O direito à saúde existe para todos. É o que está escrito na Constituição Federal brasileira: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. E vale o que está escrito.

No entanto, é comum assistir a cenas de pessoas atendidas em corredores de hospitais, procedimentos cancelados por falta de médicos, de medicamentos e de equipamentos, o que faz o artigo constitucional parecer distante da realidade brasileira. Mas o problema não está no texto jurídico. Segundo o advogado e sociólogo Felipe Asensi, pesquisador do Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis/IMS/Uerj), do ponto de vista da lei, o direito à saúde foi caracterizado de forma democrática e até avançada, como resultado do movimento da Reforma Sanitária. 

Os motivos do descompasso entre o que está escrito e o que de fato acontece vêm sendo tema de estudo de muitos pesquisadores dedicados à saúde pública. De acordo com Asensi, é possível eleger quatro aspectos para compreender os desafios de efetivação do direito à saúde: o planejamento, a prestação de serviços, os problemas estruturais e a influência do setor privado.

Com relação ao planejamento, o advogado destaca que a combinação da gestão com carreiras políticas atrapalha. “Como a saúde é, em geral, gerida por secretários e ministros, e eles podem ter uma trajetória também política, pode ocorrer um problema de gestão. Inclusive, a troca de cargos a partir de critérios da coligação partidária pode atrapalhar a continuidade da política pública”, diz Asensi. 

As falhas no planejamento facilmente se associam aos problemas estruturais, mais especificamente no financiamento do setor, que nem sempre acompanha a necessidade da prestação do serviço. “A saúde é pensada para ser descentralizada nos municípios, mas o que a gente vê é uma concentração do financiamento na União, de acordo com o sistema tributário da Constituição de 1988. Politicamente, ela fica estruturada de baixo para cima, a partir dos municípios. Financeiramente, não”, destaca.

Quanto à prestação de serviços, mesmo com o ingresso realizado por concursos públicos, Asensi chama a atenção para “certos costumes que são contra a lei”. Segundo ele, “em diversas unidades de saúde observa-se profissionais que trabalham aquém da carga horária para a qual prestaram concurso e foram contratados. Em muitos casos, falta fiscalização do cumprimento desse trabalho e da qualidade do atendimento prestado ao cidadão”.

O avanço do setor privado também tem sido pauta de discussões de especialistas. E o tema não se restringe aos planos de saúde, mas também a organizações não-governamentais (ONGs) e organizações sociais (OSs). “Não que o setor privado não deva prestar esses serviços, mas é preciso atuar de forma legal. Há ONGs que prestam serviço de saúde como se fossem Estado. E o Estado financia as ONGs”, diz Asensi. Sua crítica é ainda mais contundente quando se fala dos contratos que garantem esses serviços: “O poder público pode reconhecer determinadas organizações privadas como sociais. A lei admite que elas também prestem serviços de saúde. Do ponto de vista legal, está ok. Mas o problema é que o reconhecimento das Organizações Sociais é, em muitos casos, político, o que faz com que estas, apesar do nome, tenham pouco de sociedade em seu interior”.

 
Onde denunciar?

A fiscalização do Estado é fundamental para a garantia do direito à saúde e o cidadão também pode indicar problemas de acesso ou restrições de tratamento diretamente na ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende pelo número 136, o Disque Saúde. Trata-se de um serviço gratuito destinado a receber sugestões, reclamações e oferecer orientações de saúde e informações sobre doenças. Em nota, o Ministério da Saúde informou que foram registradas mais de 17 mil reclamações em 2013. Entre elas, estão “questões de gestão, como situações que envolvem recursos humanos e materiais, Programa Farmácia Popular e vigilância sanitária, situações de registro e qualidade de produtos e de estabelecimentos de saúde públicos e particulares”.

As denúncias também podem ser feitas ao Ministério Público (federal ou estaduais), que tem, entre suas funções, a fiscalização do serviço público. Se falta médico num hospital, por exemplo, isso pode ser levado ao conhecimento deste órgão. 

De acordo com dados do Ministério Público Federal, as denúncias vêm aumentando. Em 2012, o órgão instaurou 2.540 autos administrativos; em 2013, esse número aumentou para 2.872. O sistema de dados utilizado ainda não permite mensurar a quantidade de autos instaurados a partir de denúncias, mas, em nota, a equipe técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão garante que a maioria decorre do recebimento de denúncias da população. A partir daí, esta informação pode gerar um inquérito civil. A Procuradoria destaca ainda que os principais subtemas apontados são "Serviços" e "Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos", geralmente oferecidos pelo SUS. As denúncias podem ser feitas na Sala de Atendimento ao Cidadão do site do Ministério Público Federal (www.mpf.mp.br) ou nos ministérios públicos de cada estado.