Democracia, comunicação, informação e direito à saúde em pauta


29/09/2015
Por Cristiane d'Avila (Icict/Fiocruz)


Imagem da abertura do Diálogo PenseSUS - Democracia, comunicação, informação e direito à saúde: mobilização para a 15ª Conferência Nacional de Saúde

Diante de uma conjuntura política em que se observa o alinhamento do Estado a interesses que visam à fragilização do Sistema Único de Saúde (SUS) e se aguarda com apreensão a indicação do novo ministro da pasta, o Icict/Fiocruz debate os rumos desse mesmo sistema no I Diálogo PenseSUS – Democracia, comunicação, informação e direito à saúde: mobilização para a 15ª Conferência Nacional de Saúde. Pelos desafios que a crise atual apresenta à democratização dos direitos sociais, do direito à comunicação e à informação e do direito à saúde, a problematização do diálogo se torna fundamental para a edição deste ano da conferência que acontece de 1º a 4 de dezembro próximo.

Para fomentar o debate no momento em que a agenda da Conferência reforça a ideia de saúde como direito de cidadania, em contraposição à sua mercantilização e privatização, a mesa de abertura do evento, iniciado nesta terça (29/9) na Biblioteca de Manguinhos, uniu a Fiocruz, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Na opinião da vice-diretora do Cebes, Lucia Souto, é muito importante o CNS reconhecer a 15ª Conferência como um marco para a consolidação do SUS, assim como a oitava edição, em 1986, afirmou a saúde como dever do estado, a partir de uma Constituinte popular participativa e inédita. Para Souto, é essencial que a Conferência aponte a crise atual como resultado do esforço da grande mídia para defender o neoliberalismo que avança sobre a América Latina. "É preciso fazer ajuste fiscal sobre a renda concentrada, e não reduzindo direitos sociais. A política de saúde é a que mais enfrenta dificuldade”, enfatizou a pesquisadora.

Para Nilton Pereira Junior, vice-presidente da Abrasco, vivemos um intenso ataque ao direito à saúde, um desmonte do SUS de forma muito articulada. “Talvez seja o momento de o movimento sanitário e de esquerda se rearticularem para reanalisar a conjuntura do Estado brasileiro. Precisamos reavaliar como nos comunicamos e dialogamos com a população em geral. Precisamos buscar novos diálogos e novas formas de comunicação”, defendeu o representante da Abrasco.

Segundo Michely Ribeiro, representante do Conselho Nacional de Saúde e da Rede Lai Lai Apejo – População Negra e Aids, o Conselho tem feito esforços para ampliar a participação nas conferências, a fim de que o debate sobre comunicar em nome da saúde seja ampliado.

Nísia Trindade, vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, ressaltou a articulação política existente, principalmente sobre o controle dos meios de comunicação. “Se a gente pensa que saúde é democracia, é impossível pensar em democracia sem pensar na comunicação e nas relações de poder em torno dela”, destacou, citando o recente documento publicado pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz em defesa do SUS, considerando o contexto de ajustes na política econômica, bem como as possíveis repercussões para o setor saúde da reforma administrativa em debate.

Encerrando a mesa de abertura, o diretor do Icict, Umberto Trigueiros, destacou a iniciativa da unidade, do site PenseSUS, como uma estratégia de resposta da comunicação e da informação a uma visão tomada pelo mercado. “No decorrer do processo de aprofundamento democrático dos últimos anos muito pouco foi feito para enfrentar essa realidade. Muito pouco avançamos e a visão que a sociedade tem de si mesma é a visão dada por aqueles que se contrapõem aos interesses dela e do SUS”, enfatizou.

Autocrítica

A conferência de abertura do I Diálogo Pense SUS, com o tema “Reflexão e perspectivas para a participação social em saúde”, foi proferida na manhã de terça (29/9) por Francini Guizardi, pesquisadora em saúde do Laboratório de Educação, Mediações Tecnológicas e Transdisciplinaridade em Saúde (Lemtes), da Escola Fiocruz de Governo, da Fiocruz Brasília. Na apresentação, a pesquisadora avaliou o documento de referência da 15ª CNS sob a luz de uma questão: como legitimar um Estado diante da percepção social de que esse mesmo estado tende a socializar custos segundo uma dinâmica excludente?

De acordo com Francini, ao longo da trajetória de 25 anos de implementação e consolidação dos dispositivos de participação social na saúde, um conjunto de iniciativas foi empreendido para qualificá-los e fortalecê-los, como as plenárias e os fóruns nacionais de conselhos de saúde; as resoluções do CNS, direcionadas ao funcionamento e à organização dos conselhos; as estratégias de educação permanente voltadas para o controle social; a política nacional de gestão estratégica e participativa na saúde; entre outros.

No entanto, segundo dados de um recente estudo de caso citado pela pesquisadora, tem se observado que a atividade dos conselhos propicia dinâmicas participativas que tendem a engendrar um campo autorreferido. Foi avaliado também que o controle social tem se restringido ao conselho, quando deveria ter significado e alcance para além destes fóruns institucionalizados.

“Esses resultados de pesquisas não podem ser generalizados, são elementos de provocação do debate, mas se temos a percepção de que as respostas não estão satisfazendo, há um indício de que precisamos qualificar a participação social reposicionando as perguntas. O tema da representatividade precisa ser qualificado, considerando a paridade de vozes e grupos que historicamente não tiveram espaço nesse fórum. Temos tendência a produzir concentração de poder em lócus específicos nas instituições. Mas que participação social nós queremos?”, indagou a pesquisadora.

Para Francini, vivemos hoje o genocídio de jovens negros, a opressão dos indígenas, a questão da intolerância religiosa, a gentrificação das metrópoles, a expulsão das populações pobres em função da apropriação privada da cidade e das dinâmicas estatais violentas, a violência contra mulheres e grupos LGBT, e sem contar a concentração do poder da mídia.

“Mas sempre que uma articulação conservadora se organiza é sinal de que mudamos algo. Senão não haveria uma articulação tão intensa. Por isso precisamos pensar a saúde e a democracia, por isso precisamos tornar essa malha institucional que criamos tão potente e porosa a essas questões colocadas. Precisamos tornar porosos conselhos e conferências, produzir com, e a partir deles, movimentos que extrapolem suas fronteiras, aproximando a participação política na saúde da vida cotidiana das pessoas e, inclusive, do cotidiano dos serviços de saúde que compõem a rede do SUS”, completou a conferencista.

 

*Foto: Raquel Portugal/Multimeios/Icict