A desigualdade regional pesa no SUS


15/05/2014
Por Clarisse Castro (Icict/Fiocruz)


O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou em abril deste ano o FiscSaúde, primeiro relatório sistêmico de fiscalização da saúde no Brasil, produzido durante 2013, a partir do estudo de diversos documentos, da visita a 116 hospitais de todas as regiões brasileiras e de entrevistas com gestores, representantes do Judiciário e de conselhos profissionais. Os técnicos do órgão avaliaram os serviços de saúde brasileiros por meio de diversos indicadores e constataram: o maior problema do sistema de saúde no Brasil é a desigualdade entre as regiões do país. Segundo o relatório, enquanto alguns estados apresentam indicadores semelhantes aos dos países desenvolvidos, a performance de outros está mais próxima do desempenho de países africanos.

O FiscSaúde faz parte de um conjunto de esforços do TCU para produção de análises nas mais diversas áreas de interesse nacional, entre as quais saúde, educação, obras públicas, pessoal, tecnologia da informação, cultura, segurança pública, entre outros. Segundo o órgão, “o objetivo é proporcionar ao Congresso Nacional e à sociedade em geral uma visão ampla e periódica dessas ações governamentais, identificar as situações de risco e relevância, bem como orientar a adoção de medidas que possibilitem aprimorar os instrumentos de governança, gestão e desempenho da administração pública”. 

Além de comparar o sistema de saúde brasileiro com o de outros países desenvolvidos que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o FiscSaúde aponta a presença de desigualdades tanto na comparação do modelo nacional público com o privado, quanto dentro do próprio Sistema Único de Saúde (SUS), quando comparadas as regiões brasileiras, e as capitais e o interior. 

Estas desigualdades ficaram mais evidentes quando se observou o número de consultas médicas por habitante, sendo o Brasil o quarto país, dentre os 29 acompanhados pela OCDE, que menos oferta consultas por ano para a sua população. E as diferenças são mais evidentes quando se compara a rede pública e a privada. Em 2010, enquanto o sistema privado ofertava 5,4 consultas por beneficiário, no âmbito do SUS foram registradas 3,6. A mesma diferença ocorreu no número de internações hospitalares no mesmo ano, que foi de 137/1000 habitantes no sistema privado, e de 75,8/1000 para a população dependente do SUS.

Quando se comparam as regiões do Brasil, considerando somente a rede pública de saúde, a desigualdade fica evidenciada entre estados mais pobres e mais ricos do Brasil. Em Sergipe, por exemplo, em 2012 foram realizadas 49,36 internações por 1.000 habitantes da população dependente do SUS, enquanto no Paraná este número praticamente dobrou, saltando para 95,45. Entre as cinco unidades da federação com maior número de internações proporcionadas pelo SUS, três são os estados da região Sul, com uma média de 85,63/1000 habitantes, enquanto no Nordeste, região com a menor número de internações, a média se manteve em torno de 65/1000.

Há um ponto importante a ser considerado nesta estatística: a redução de leitos na rede pública de saúde, em detrimento do aumento na rede privada, a partir de estímulos fiscais ocasionados pelo próprio governo federal para a abertura de leitos nos planos de saúde. O FiscSaúde apontou que, somente entre os anos de 2011 e 2013, o SUS descredenciou 11.576 leitos hospitalares, enquanto a rede privada implantou 8.349 vagas a mais neste período. 

Além disso, mesmo quando não foram fechados, nem sempre os leitos existentes na rede pública estiveram disponíveis, podendo estar bloqueados principalmente pela ausência de equipamentos ou pela falta de manutenção dos mesmos, ou ainda pela ausência de recursos humanos para garantir assistência. Neste caso, as diferenças mais gritantes foram registradas na região Norte, cujo percentual de bloqueio de leitos chegou ao nível de 15%.
 
As desigualdades regionais também sobressaem quanto à presença de profissionais de saúde. O Sudeste, por exemplo, apresentou uma presença de médicos equivalente à existente em países desenvolvidos: 26 médicos por dez mil habitantes, superior à dos Estados Unidos (24), Canadá (20) e Japão (21). Já na região Norte, a média era de 10 médicos para cada 10 mil pessoas, abaixo da média nacional de países como Trinidad e Tobago, Vietnã, Guatemala, El Salvador ou Albânia. 

Em 2010, segundo o FiscSaúde, o Brasil contava com 1,9 médicos por 1.000 habitantes, o quinto menor quantitativo entre os países cujos dados foram estudados pela OCDE. No entanto, o número está na média recomendada pela Organização Mundial de Saúde (1 médico para cada mil habitantes). O agravante é que foram percebidas no Brasil graves distorções na distribuição destes profissionais entre os estados. No Distrito Federal e nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, em 2013, foi encontrada a maior taxa de médicos por 1.000 habitantes (4,1, 3,6 e 2,6, respectivamente), enquanto os estados do Maranhão, Pará e Amapá contavam com as menores taxas (0,7, 0,8 e 0,9, respectivamente).

Apesar desses dados, o relatório do TCU reconheceu que o sistema de saúde brasileiro tem melhorado de forma significativa nos últimos anos. Entre as principais razões para isso estão o aumento da expectativa de vida, a redução de indicadores de mortalidade, o maior acesso às ações e serviços de saúde e o crescimento dos gastos públicos com saúde, especialmente entre os anos de 2008 e 2012.

Segundo informações prestadas pelo TCU, o Fisc Saúde terá atribuída importância ao ser utilizado como insumo para as discussões sobre as políticas públicas na área, tanto pelos órgãos do Executivo (Ministério da Saúde, secretarias de saúde estaduais e municipais, Agência Nacional de Saúde, entre outros) quanto pelo poder Legislativo. “Questões bastante relevantes foram tratadas no relatório, como a questão das desigualdades regionais e do financiamento do SUS, como forma de induzir o debate permanente pela sociedade e pelos órgãos gestores”. 

Leia o relatório FiscSaúde na íntegra.