Outubro Rosa: desigualdades regionais pesam no combate ao câncer de mama no Brasil


13/10/2014
Fonte: Portal Fiocruz (Por Clarisse Castro)


No mês em que diversos países do mundo realizam ações de sensibilização para o combate do câncer de mama, um dado persiste e preocupa: este é o tipo de neoplasia que mais atinge as mulheres no mundo, e o segundo tipo que mais mata, só perdendo para o câncer de pulmão. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), 1,67 milhões de casos novos da doença foram esperados para o ano de 2012 em todo o mundo. No Brasil, somente para 2014, a expectativa é de 57.120 novos registros.

Diversos estudos apontam que a ocorrência do câncer de mama varia entre países segundo o grau de desenvolvimento socioeconômico, sendo as taxas nos países de alta renda muito superiores às de média e baixa renda. No entanto, nos países mais ricos o índice de sobrevida é maior porque o câncer de mama é detectado mais precocemente, e o acesso ao tratamento pode estar ocorrendo mais rápido do que em países emergentes ou pobres.

O artigo Acesso à detecção precoce do câncer de mama no Sistema Único de Saúde: uma análise a partir dos dados do Sistema de Informações em Saúde, publicado no volume 30 da revista Cadernos de Saúde Pública, em julho, apontou que esta lógica de combate à doença a partir do grau de desenvolvimento econômico também se manifesta no Brasil, onde as regiões Sul e Sudeste apresentam as maiores taxas de câncer de mama, mas são também as que mais garantem acesso a exames e a tratamentos de alta complexidade. O paradoxo é que, ainda assim, a mortalidade por esta neoplasia é maior no Sul e no Sudeste, com valores 40% superiores aos observados na região Nordeste e duas vezes maiores que aqueles detectados no Norte.

Segundo as autoras do artigo, “o acesso ao diagnóstico e ao tratamento do câncer de mama no Brasil é marcado pelas imensas desigualdades de oferta de assistência especializada. Há uma grande concentração de serviços credenciados no SUS de quimioterapia e radioterapia nas regiões Sul e Sudeste, e uma ausência, quase total, na região Norte, o que certamente afeta o prognóstico de mulheres acometidas pela doença fora dos grandes centros urbanos do país. Somente no Rio de Janeiro, 44% dos casos de câncer de mama foram diagnosticados em fase avançada”.

 

O acesso ao tratamento

Para enfrentar esse quadro, o Ministério da Saúde (MS) estabeleceu em suas diretrizes de controle da doença a recomendação de exame clínico anual a partir dos 40 anos para mulheres que não apresentam sintomas, ou seja, que não detectaram a presença de caroços, e a mamografia bienal para mulheres entre 50 e 69 anos. A estratégia tem como objetivo principal a detecção precoce da doença, onde as chances de cura são maiores.

O problema é que não há um acompanhamento sistemático das ações de controle, que possa servir de embasamento na hora de avaliar se há efetividade nas diretrizes. Em 2009, o MS criou o Sistema de Informação para o Controle do Câncer de Mama (Sismama), que tem o objetivo de padronizar a coleta de dados sobre a neoplasia em todo o país, quanto ao rastreamento, ao diagnóstico e ao tratamento. Mas, como panoramas mais gerais sobre o assunto ainda são muito incipientes, grande parte dos estudos para a implementação de políticas públicas precisa cruzar dados do Sismama e de outros sistemas mais antigos do Datasus, como o próprio Sistema de Informação Hospitalar (SIH).

O estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública analisou dados de 2010 do Sismama, do SIH e também do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). E apontou o seguinte: em 2010, em todo o Brasil, foram realizadas, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 3.126.283 mamografias em mulheres a partir dos 40 anos, o que corresponde a apenas 12,4% das mulheres nesta faixa de idade. Já na faixa etária alvo do rastreamento pelo exame — mulheres usuárias do SUS de 50 a 59 anos e 60 a 69 anos — a cobertura foi de 32,2% e 25%, respectivamente. Para as autoras, houve uma inegável expansão da oferta. “Estudo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2003 e 2008 concluiu que houve aumento na realização de mamografia em todas as faixas etárias, mesmo naquelas em que o rastreamento não é recomendado. Esse aumento foi mais expressivo (42%) entre as mulheres sem planos de saúde, para as quais a prevalência passou de 33% para 47%”.

 

Desafios para as políticas públicas

No entanto, o artigo aponta algumas preocupações. Apenas 27% das mulheres entre 50 e 59 anos com diagnóstico clínico de tumor suspeito de malignidade e altamente sugestivo de malignidade, duas categorias de classificação feitas a partir da mamografia, estão realizando biópsia no SUS. Nas mulheres com idade entre 60 e 69 anos, este percentual cresce para 63%, o que pode representar uma falha na detecção precoce da doença.

“A escassez de biópsias correspondente à necessidade diagnosticada a partir do número de mamografias realizadas no país indica que o sistema de saúde ainda não está preparado para atender à demanda de mulheres que deveriam ser alvo das ações específicas de rastreamento e diagnóstico precoce para o câncer de mama”, conclui o artigo.

Outra questão que fomenta a luta de combate ao câncer é a organização das estratégias de enfrentamento, que precisam estar alinhadas tanto à capacidade dos sistemas de saúde, quanto ao próprio entendimento do que seja saúde. Por exemplo: mais realização de exames e cirurgias significa, necessariamente, um acerto? As pesquisadoras que publicaram o estudo citado apontaram também que 46% das mamografias realizadas em 2010 foram feitas em faixas etárias não recomendadas para rastreamento pelo Ministério da Saúde. “Sabe-se que a indicação médica é um forte preditor da realização da mamografia, e que as sociedades científicas têm tido importante papel na difusão de recomendações distintas das preconizadas oficialmente, em especial no que diz respeito à idade”.

Além disso, o acesso ao tratamento pode aumentar a partir de estratégias de reorganização da oferta no SUS? Uma outra pesquisa, realizada pelo mestre em Informação e Comunicação em Saúde pela Fiocruz, Wisley Velasco, apontou que a regionalização do SUS – estruturação da oferta de ações e serviços a partir de redes de atenção construídas em grupos de municípios – é um fator positivo para o acesso. “Os dados dos sistemas de informação em saúde analisados na pesquisa mostraram, no que concerne à mamografia, que não houve garantias de que todas as residentes dos municípios goianos [objeto do estudo] tivessem acesso a esse exame nos seus locais de residência, uma vez que precisaram migrar para municípios de outras regiões de saúde ou para Brasília (DF)”.

Com a regionalização, que é tema de destaque, hoje, nas discussões sobre a oferta de serviços no SUS, é possível que as demandas sejam melhor visualizadas município a município, e sejam acordadas formas de coparticipação na oferta de tratamento, onde cada localidade entra com a sua capacidade instalada de prestação de serviços, ocasionando uma racionalização dos gastos e uma redução do tempo de espera pelo tratamento. “A medida profilática correta não é necessariamente aumentar o número de mamógrafos instalados, mas organizar melhor a rede disponível. A mamografia demanda uma alta qualidade de imagem, o que significa equipamentos com manutenção sempre em dia, manuseados por pessoal técnico especializado à disposição, o que impacta no orçamento dos municípios. Descentralizar e distribuir melhor a oferta é a melhor forma de permitir equidade no acesso ao exame de mamografia, evitando que sejam feitos deslocamentos longos e desnecessários”, conclui Velasco.