Revista Radis discute a remoção da cracolândia e a internação compulsória de usuários

Imagem de pixação no espaço da cracolândia, com desenho em muro de alguém com jato de água e com o nome "Dória"

07/07/2017
Fonte: Ensp/Fiocruz


Ruína e resistência. Assim a revista Radis edição n°178 de julho de 2017 definiu a ação de remoção de usuários e ameaça de internação compulsória na cracolância que expõem a ineficácia da nova política de São Paulo no cuidado das pessoas. Disponível on-line, a matéria de capa, assinada pelo repórter Bruno Dominguez e registrada pelo fotógrafo Eduardo de Oliveira, relata o que dizem sobre a ação as pessoas atingidas, entidades e profissionais de saúde, assistência social, direito e especializados na questão do uso, dependência e política de drogas. A ação "higienista" de varrer pessoas para a invisibilidade urbana foi criticada pelas Nações Unidas e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) expressaram, em nota, "profunda preocupação pelo uso excessivo da força por parte do Estado brasileiro em operações no contexto da remoção urbana de dependentes químicos usuários de drogas ilícitas".

No Rio, participantes do seminário "Cenários da Redução de Danos na América Latina" lançaram a Carta de Manguinhos, na qual lamentaram que “a política pública de cuidado, promoção da saúde e de direitos tenha sido substituída pela repressão e violação de direitos". A Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (Abramd) também criticou a força-tarefa na região, avaliando que essa busca esconde a pobreza resultante da miséria política brasileira, que emprega "o mínimo do mínimo" para cuidar dos problemas e fenômenos sociais. Para o antropólogo Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a ideia por trás dessa ação não é acabar com o uso e o tráfico de crack; é sim tirar de vista, varrer usuários de drogas e promover uma ‘limpeza’ urbana a partir da estética que o prefeito João Doria imagina para a região.

Fiore considera que se trata de um contraponto entre visões de política pública: o espaço ou as pessoas?” Essa estratégia encontra ressonância na sociedade. De acordo com a Radis, um levantamento do instituto de pesquisa Datafolha indicou que 59% dos paulistanos entrevistados apoiam a operação, a qual visa “acabar com a cracolândia” (34% se opõem), apesar de 53% avaliarem que houve violência contra os usuários de crack (37% acreditam que não houve violência). São favoráveis à demolição de imóveis utilizados como pensões e hotéis 55% dos ouvidos (41% são contra). “O que as pessoas querem, de fato, é parar de ver a cena de uso”, corrobora Fiore.

A matéria considera que a  prefeitura de São Paulo, com o apoio do governo do estado, abriu mão da perspectiva do cuidado e da redução de danos à saúde das pessoas, que há décadas se agrupam no centro da capital para o consumo de crack, e optou por uma violenta ação policial para dispersá-las e impor internações compulsórias — ilegais e sem comprovação de eficácia. “O prefeito João Doria desapropriou e mandou desocupar e demolir imóveis, o que foi apontado por uma associação de juízes como a razão maior para a intervenção, satisfazendo interesses de construtoras e seguradoras. A cobertura da mídia foi amplamente favorável e pesquisas apontaram que o 'fim da cracolândia' teve apoio de 59% dos paulistanos, embora 53% considerem que houve violência.”

No entanto, a cracolândia resiste. “A Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar tentaram, repetidas vezes, dispersar a cena — por exemplo, proibindo tendas e barracas na praça —, mas os usuários mostraram a força de quem precisa resistir para sobreviver. Ficou claro, então, que a cracolândia não é um lugar, mas uma rede. O fluxo simplesmente mudou de lugar”, alerta a revista.

"Diante desse cenário, há, de fato, necessidade de políticas sociais integradas para além do enfoque específico do tratamento da dependência química. Ou seja, no manejo integral do abuso de crack, a oferta de serviços de saúde não é suficiente, sendo a oferta de ações sociais absolutamente estratégica, desde o serviço mais simples de acolhimento e oferta de alimentação e higiene pessoal, até os programas que buscam efetivamente emancipar e oferecer condições para uma vida digna numa dimensão mais ampla”, concluiu a Pesquisa Nacional sobre o uso de crack, coordenada pelo pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos. “A saúde, por si só, não dá conta de oferecer soluções para questão tão complexa. Focar no problema médico – a dependência química – é a receita para não dar certo, é um sinal muito ruim das intenções do prefeito. É uma violação e não vai produzir nada de positivo”, prevê o antropólogo Fiore.

Essa e outras matérias de destaque estão disponíveis na revista Radis de número 178.

Novidade

Ao completar 35 anos em defesa da saúde e da democracia, ideal da Reforma Sanitária, o Programa Radis celebra os 15 anos da revista Radis. Agora, parte de 60 mil fotografias que resultaram de reportagens do Radis, desde a década de 1980, poderá ser consultada na plataforma flickr e baixada para uso não comercial, em sintonia com as políticas de comunicação e de acesso aberto da Fiocruz.