Ações para a saúde da população negra exigem pensamento estratégico


20/11/2014
Fonte: Abrasco (por Bruno C. Dias)


Os passos estão sendo dados, mas é preciso estratégia. Essa é a opinião de pesquisadores e movimentos sociais sobre os cinco anos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), em que pese aos avanços alcançados, é necessário engajamento em todas as esferas da Federação para a aplicação real da transversalidade da política, visando o direito à saúde como um todo, seja para negros, negras, pardas, brancos, jovens, idosos e crianças.

Às vésperas do dia da Consciência Negra, o Ministério da Saúde (MS) divulga boas notícias. O módulo de educação a distância específico para a aplicação da PNSIPN, lançado em 22 de outubro, já conta com 2,4 mil profissionais de saúde inscritos e 11 trabalhadores já obtiveram seus certificados. Os números são acima das expectativas, segundo as secretarias de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) e de Gestão do Trabalho e de Educação na Saúde (SGTES), responsáveis pelo programa de treinamento em parceria com a Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS).

Outro ponto destacado foi o volume de propostas encaminhadas para aprovação pelo edital n.21/2014, voltado para Saúde da População Negra e lançado no final de agosto pelo MS em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Do total de 89 trabalhos inscritos, 12 trazem temas voltados à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra; cinco querem discutir o ‘Racismo Institucional’; 44 abordam ‘Situações de risco, agravos e incapacidades’; 26 falam sobre ‘Estratégias de promoção da saúde e qualidade de vida para a população negra’ e outros dois tratam do ‘Racismo no Brasil’.

Conselho Nacional de Saúde (CNS): A temática também esteve em pauta na última reunião do CNS, nos dias 6 e 7 de novembro. Maria Zenó Soares da Silva, conselheira do CNS e representante da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (FENAFAL), e Maria Inês da Silva Barbosa, doutora em Saúde Pública pela USP e consultora nacional da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS/OMS), apresentaram aos demais conselheiros aspectos relacionados à luta contra a doença falciforme e contra o racismo institucional. O debate contou também com João Paulo Baccara, coordenador geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, onde está alocada a política voltada para doenças falciforme.

Para Maria Zenó Soares, o debate sobre a saúde da população negra não pode estar preso a ritos de calendário. “Apesar de já ter sido pactuada, ainda falta participação dos estados e dos municípios em assumirem essa questão e colocar pessoas que tenham o compromisso de enfrentar e combater o racismo à frente das ações”. Maria destaca que o racismo é tão grave quanto a fisiopatologia da patologia genética mais comum no país e que atinge a cerca de 40 mil brasileiros. “O mais triste é a sociedade em geral não saber nada sobre a doença e, ao chegar nos serviços de saúde, os funcionários não acreditarem no relato da dor”, reforçou ela.

A doença falciforme é termo genérico para um grupo de desordens genéticas cuja característica principal é a herança do gene da hemoglobina S (gene ßs – beta S), que, em determinadas circunstâncias, faz as hemácias adquirirem o formato de foice. A forma mais comum e grave da doença é a homozigótica SS, que é denominada anemia falciforme ou depranocitose (Hb SS). Em 2014, 136 pessoas, a maioria mulheres negras, morreram devido à doença. “A invisibilidade é tão grande que esse fato sequer é comentado nos meios de comunicação”, denuncia Maria Zenó.  Segundo a ativista, o Ministério acenou com a possibilidade de liberar o transplante de medula óssea como protocolo de tratamento para os acometidos pela anemia falciforme.

Já Maria Inês da Silva Barbosa apresentou o estudo Mapeamento como instrumento de gestão: territorialização da política de saúde integral da população negra, no qual levantou quais municípios brasileiros têm alta potencialidade para a implementação imediata da PNSIPN a partir de diversos critérios, como a existência de secretaria/coordenadoria ou alguma unidade de promoção da diversidade racial e participação em demais programas e políticas públicas do setor saúde, cultura e educação. O objetivo é propor instrumentos para aproximar e potencializar as ações e envolver os gestores.

“Temos diversas ações, mas não a implementação da PNSIPN não está ocorrendo primeiramente pela falta de compreensão do que é uma política transversal”, aponta Maria Inês. Segundo a pesquisadora, políticas nacionais transversais têm de entrar para o conjunto das ações do Ministério como um todo. Cita o caso dos Mais Médicos, principal política hoje desenvolvida pelo Ministério e que, justamente por atender principalmente a população negra e pobre do país, deveria estar “completa afinação para pensar o perfil epidemiológico da população negra e pensar o perfil daqui a três anos”, completou.

Academia e gestão: A mesma avaliação é compartilhada por Luis Eduardo Batista, pesquisador do Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo (IS/SES-SP) e vice-coordenador da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco e que no último Congresso Brasileiro coordenou o eixo racismo, homofobia e outras formas de discriminação social: repercussões na saúde. “Sabe-se que aproximadamente 13 Estados têm um coordenador da Política, mas se desconhece quantos municípios têm uma área técnica ou um responsável pela sua implementação. Não se conhece que ações, intervenções e propostas são realizadas por estes gestores. Logo, não sabemos como esta sua implementação”, frisou.

Batista destacou ainda a necessidade de avançar na formação dos profissionais para a temática Saúde da População Negra, tanto nos cursos de graduação quanto na educação permanente. “As doenças prevalentes na população negra, como a hipertensão arterial, merecem um pouco mais de atenção, pois há evidencias científicas, mas não são comprovadas, não se dá condições à população e aos profissionais darem melhor direcionamento as necessidades deste grupo populacional-racismo institucional”, destacou ele, afirmando que é fundamental uma melhor afinação entre academia e gestão para alcançar um novo patamar social. “Para avançar na implementação da PNSIPN, é necessário avançar na visão estratégica sobre a política e a gestão em saúde como um todo. Nosso questionamento deve apontar para o debate sobre o direito universal à saúde e sobre as formas de sairmos da teoria para o cotidiano da vida das pessoas. Isso exige um componente ético de todos, sejam gestores, acadêmicos ou trabalhadores. Devemos prezar pela equidade, o que leva a compreensão da vulnerabilidade e o enfrentamento às discriminações históricas e as relações de poder inscritas socialmente em nosso país.”

Maria Inês acredita que só uma vontade política desracializante profunda, que compreenda e encare o racismo como um componente da determinação social em saúde e torne esta e outras políticas transversais de fato integrantes da Saúde Pública brasileira pode trazer melhorias para a saúde das populações. “Há uma linguagem para dentro da PNSIPN que não conversa com as demais e isso tem de acabar. Senão, o combate ao racismo institucional acaba virando apenas um slogan”.